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Poemas Diversos


 
TERRA MOLHADA
Mário Morcerf
 
 
Quero uma tarde para mim
De um dia que foi quente.
De um sol abrasador.
 
Uma tarde com brisa perfumada
De profusão de flores.
Uma tarde que seja muito amada,
E que morra por mim,
Num crepúsculo suave
De cor lilás.
 
Tão lentamente morra
Que a noite tenha de ficar chorando
Orvalho de ternura nessa longa espera.
 
Quero uma tarde para mim
Tão carinhosa e pura,
Que eu possa perceber
No aroma envolvente das flores,
Da terra molhada
O cheiro da saudade desprendendo.
 
 
 
 
 
SIMPLESMENTE MAMÃE
Mário Morcerf
 
 
Minha mãe era simples, mãe somente,
Minha mãe ou mamãe como eu dizia.
Pobrezinha com o pouco era contente,
E em tudo punha um pouco de alegria.
 
Minha mãe me levava a ser prudente,
A crer em Deus, e no final do dia
Me ensinava a rezar tão simplesmente
Que simplesmente à me conduzia.
 
Mas um dia na cama adoecida
De mãos postas, morreu embevecida,
De olhos fitos no céu perdendo o brilho.
 
Morreu como viveu, sem resplandores,
- Cova rasa, uma cruz, algumas flores,
Preces de paz e as lágrimas de um filho.
 
 
 
 
 
 
CRIANÇA
Mário Morcerf
 
 
Criança, graça escondida
No ventre de uma mulher;
Poema de amor feito vida
Bem-querer do bem-me-quer
 
Graça de amor recebida
Em troca de quem o der;
Chispa de luz despendida
De onde Deus sempre estiver.
 
- Crianças, vós sois o canto,
A glória, a força, o esplendor,
A prece, o poema, o encanto,
 
A brisa, o frio, o calor,
Da vida sois o acalanto,
Crianças, vós sois AMOR!
 
 
 
 
 
 
VELHICE
Mário Morcerf
 
 
Passou-se o tempo e nós nos fomos indo
À sombra dele pela vida afora,
Ora chorando, quantas vezes rindo.
E nem paramos nem se para agora.
 
Foi-se no entretimento em que se implora
Mais um pouco de tudo, diluindo
A esperança feliz de cada hora
Na saudade que a gente vai curtindo.
 
Mas a longa jornada palmilhamos
E tão rápida foi, que nem sentimos
que cansados e velhos continuamos;
 
Sempre juntos, choramos e sorrimos
Quando o tempo passou, mas nós, ficamos
Sempre presos no amor que repartimos.
 
 
 
 
 
 
PRIMAVERA
Mário Morcerf
 
 
A primavera, é a natureza rindo
Gostosamente em festa e esplendores:
- Vergam os cachos espoucando flores
- Sazonam flores, polens sacudindo.
 
As folhas tremem sob o sol, haurindo
A luz em borbotões, fixam-se as cores;
Perfumes rolam ninhos invadindo
Onde as aves arrulam seus amores.
 
E há festa em tudo, em tudo o amor se agita:
Na flor que morre coração palpita
Do fruto despertando à dor que o gera.
 
gritos de alegria nas ramadas,
E os namorados passam de mãos dadas
- Levam no coração a primavera!
 
 
 
 
 
 
FESTIVAL DO VINHO DE DOMINGOS MARTINS
Mário Morcerf
 
 
Em plena festa. Esta hora,
este encontro, esses sons,
este calor humano, o prazer da presença
que este frio do espaço, este vento que sopra,
transforma em comunhão.
 
vinho em profusão:
branco, louro, dourado, róseo,
verde, lilás, escarlate, púrpura e até
sanguíneo generoso...
 
Viram-se os canecos e escorre na garganta
o néctar saboroso.
Da uva, o sabor, degusta-se, de leve;
aspira-se o buquê, a fragrância divina
que os deuses embriaga...
 
não se sente o chão nem o alto se atinge,
flutua-se no espaço, ao ritmo dos sons...
Tudo está tão macio, tão vaporoso e quente,
um pouquinho dormente;
semiconsciente há sonho
neste leve torpor de encantamento...
 
Feérica alegria, há pela multidão sequiosa,
que vem dos sofrimentos para o prazer da festa.
Acontece o Festival do Vinho,
em Domingos Martins
acontece.
 
 
 
 
 
 
 
PEDRA AZUL
Mário Morcerf
 
 
Sob um céu de safira,
esses bosques e campos.
As montanhas cobertas
Desses véus de nevoeiro,
são as noivas do sol;
e em destaque, essa ponta,
- a Catedral de um sonho:
mãos postas para o céu
a Terra se extasia
e agradece a fartura
dos seus vales.
É Pedra Azul.
Em Domingos Martins.
 
 
 
 
 
 
 
CONVENTO DA PENHA
Mário Morcerf
 
 
O pícaro do monte outrora era granito
Com palmeiras gentis a farfalhar ao vento,
A floresta embaixo era verde, e bonito
Um quadro da Madona olhava o mar pedrento.
 
Ao sopé da montanha, entre mui calmo e aflito,
Um monge Franciscano encara o mar violento.
...Era um poema de , algo belo e esquisito,
Qual o mar, a ferver pelo seu pensamento...
 
Da Virgem sob o olhar, o poema desabrocha:
Ligando ao saibro a prece e ao cantochão a argila,
Frei Pedro amalgamou o seu sonho na rocha.
 
E hoje no alto do monte, a quemou quem venha,
Da ermida singular do convento que a asila,
Sorridente abençoa a Senhora da Penha.
 
 
 
 
 
 
 
VILA VELHA
Mário Morcerf
 
 
Vila Velha formosa onde seu barco acosta
o velho pescador que ao mar se atira cedo,
do Convento da Penha e da Praia da Costa,
da Igreja do Rosário e também do Penedo;
 
Em que Vasco Coutinho, aporta forte e ledo
e o íncola bravio as guerrilhas arrosta...
da Virgem, o holandês, vendo a tropa com medo
apavorado foge ante a derrota imposta...
 
De Francisco de Assis, Vila Velha querida
por Frei Pedro que a amou, e disto dando prova,
gravou no alto do monte essa trova da ermida,
 
E se fez Vila Velha, uma cidade nova,
cresceu, se engalanou, e toda agradecida
a Pedro, o trovador, a Capital da Trova.
 
 
 
 
 
 
 
VITÓRIA
Mário Morcerf
 
 
Ilha formosa, garridice estranha!
Que estranha veste esse teu corpo cobre:
Contrastando os casebres da montanha
O casario da planície nobre.
 
Ilha formosa, é justo que se dobre
Do oceano a fúria no fervor que o assanha,
E que ele humilde, qual escravo pobre,
Beije-te o colo que em carícias banha.
 
Porque altiva, elegante, enamorada,
Nobre e formosa ilha,assim da terra
Espírito-santense posta à entrada.
 
Ao que chega e te busca, prendes ciosa;
Se trabalha e confia, a ti se aferra,
E te ama como eu te amo, ilha formosa!
 
 
 
 
 
 
CONSOLAÇÃO
Mário Morcerf
 
 
Planto esperanças
na ânsia aflita
que se perfilhem
que enfim floresçam.
 
Morrem sementes
outras em haste
se levantando
ao vento forte
da ansiedade
tombam feridas.
 
Mas vou plantando
que das sementes
vingue, quem sabe?
uma somente...
 
Bafo o desejo
sobre as plantinhas
e as trato como
se fazer delas
todo um jardim
pudesse um dia.
 
Não vindo as flores
virá no verde
dessas daninhas
ervas estranhas
manto de alfombra
cobrindo a terra
que pelo menos
não se estorrica.
 
 
 
 
 
 
 
MEU PAI
Mário Morcerf
 
 
Viste em mim, do teu ser vibrar todos instantes
de vida transmitida, em lentas agonias.
Sorrias no meu riso enamorado e, antes
que me ver a sofrer, morrer preferirias.
 
Prendeste-te ao meu lado em vigílias constantes;
e as horas do futuro, em sobressalto, ouvias
bater, como no peito os vaivém vacilantes
do velho coração, pelo correr dos dias.
 
Foste fiel a ti mesmo; à disciplina austera
subjugaste a vaidade, impondo-te castigo
a fim de que em ti, visse o que ver devera
 
e crescesse, e afinal, bem coerente contigo,
não julgasse jamais qual me foi mais sincera,
se a bondade do pai, se a nobreza do amigo.
 
 
 
 
 
 
 
VERSEJADOR, MAIS NADA.
Mário Morcerf
 
 
Pobrezinho de rimas no seu canto,
Abandonando os ouropéis louvores,
Vai pela vida ouvindo sempre o pranto
Dos pássaros irmãos mais sofredores;
 
O seu canto, é talvez o desencanto
Dos sabiás e rouxinóis, e as dores,
Também, das juritis loucas no espanto
Das arapucas dos depredadores;
 
Mas vai com todos juntos pela vida,
Beira de estradas quem seguir não há de
Os tico-ticos nessa estranha lida?
 
Sustentando os goderos com bondade
Na louvação de Deus compreendida
Por Francisco de Assis todo humildade.
 
 
 
 
 
 
 
ESPERANÇA
Mário Morcerf
 
 
Amar-te com o amor que me pareça
que não és mais aquela desejada,
és aquela que veio e que acontece
estar presa no meu cotidiano;
 
mais que um pouco de mim és quase tudo,
me resta um pouquinho de mim mesmo
que se consome neste afeto doce
do teu carinho que me faz feliz.
 
e porque és quase tudo em minha vida,
e porque me consomes todo dia
e de amor todo dia me alimentas,
 
entre todas vindas e esperadas,
possuídas, amadas e saudosas,
és tu a , e morrerás comigo.
 
 
 
 
 
 
 
 
ROSÁRIO DE MINHA MÃE
Mário Morcerf
 
 
Um rosário de contas tão branquinhas
para lembrar-me sempre da pureza
minha mãe deu-me um dia, e eram minhas
preces a Deus, de virginal beleza.
 
Sempre rezei, desfiando essas continhas,
as preces que aprendi com singeleza;
depois, com os anos, elas tão sozinhas,
abandonadas foram, com certeza.
 
Longe o rosário, orações corretas,
tudo esquecido, tudo, na procela,
das horas turbulentas e inquietas...
 
Apenas na lembrança das preces que a revela:
um rosário de lágrimas discretas,
desfio na saudade dela.
 
 
 
 
 
 
INFÂNCIA
Mário Morcerf
 
 
Quando eu era uma menina
De três aninhos, rezava
Uma oração pequenina
Que minha mãe me ensinava.
 
Rezava coisinha pouca,
E o “Pelo Sinal”, então:
Cruz na testa, cruz na boca
E uma cruz no coração.
 
Seis anos! Mocinha sou,
tenho três irmãzinhas,
E nós rezamos sozinhas
O que mamãe me ensinou:
 
Pai Nosso, Ave Maria,
Santo Anjo do Senhor;
Devagar, sem tropelia,
De mãos postas, com fervor.
 
 
 
 
 
 
 
HERANÇA DE ESCRAVA
Mário Morcerf
 
 
Cantiga de ninar
que a preta velha, tinha,
para o sono chegar
ao sinhozinho; vinha
 
das bandas do mar
onde um dia, noitinha,
aprendera a cantar
com a sua mãezinha.
 
Na lembrança, o que dela
lhe restava, era aquela
saudade que cantava
 
o seu canto de dor,
transbordando de amor
o coração da escrava.
 
 
 
 
 
 
 
VENDA NOVA
Mário Morcerf
Dedicado ao Frei Laurentino Alvares
 
 
Venda Nova, formosa e engalanada
Como noiva do sol na primavera,
Toda empoada de neve à madrugada,
Do noivo, sorridente ansiosa à espera.
 
Venda Nova gentil, freira afastada
Dos prazeres da terra, da quimera
Da vida material; enamorada
Dos céus que desde criança a sós venera.
 
Venda Nova feliz, feliz demais!
Das uvas, no sabor e na fragrância,
Nos louros cachos desses teus trigais.
 
Mas é na , na que eu te bendigo,
Adorando a meu Deus nessa substância,
Tomada desta uva e do teu trigo.
 
 
 
 
 
 
 
SONETO
Mário Morcerf
 
 
Essa garota que passa
No seu vestido balão,
Sapato branco, e essa graça
De rola ciscando o chão.
 
Por mais simples que ela faça
Um gesto com sua mão,
É formosa. E ela se engraça
Quer diga sim, diga não.
 
Isso porque é formosa,
Porque bonita, e ela quer,
Na vida que é cor de rosa.
 
Que em graça esplenda a mulher,
Quer se vista à “melindrosa”
Trapézio”, “sacooucolher”.
 
 
 
 
 
 
 
TEUS OLHOS
Mário Morcerf
Dedicado ao sempre amigo Antenor Guimarães
 
 
Teus olhos, dois caminhos enluarados
Por onde as ilusões, em seus tormentos
Entram, buscando os meandros intricados
Onde nascem e morrem sentimentos.
 
E por eles, e neles, descuidados,
Tristes, na evocação dos pensamentos
Rondam também, - viajantes tresnoitados,
Velhos sonhos desfeitos, mas, sedentos.
 
E às vezes, os caminhos se embaraçam
Da luz do luar, à frouxa claridade
Assombrações fantásticas perpassam...
 
São lágrimas de amor que, escolhos
De tua alma, se arrancam na saudade,
Rolando em borbotões pelos teus olhos.
 
 
 
 
 
 
 
 
INVERDADE
Mário Morcerf
 
 
Se te chamarem de louco
estão mentindo para os outros,
se te chamarem de sábio,
estão mentindo para
ti;
se te chamarem de santo,
estão mentindo;
mas, se disserem que estão mentindo,
estão mentindo, para eles, mesmos.
 
 
 
 
 
 
 
PRELÚDIO
Mário Morcerf
 
 
No princípio era mata
a floresta sombria,
onde arisco o veado
e a cotia, saltavam; e a paca e o porco selvagem
assustavam o jacu e o jaó.
A anta arrebentava os taquaruçus
no peito e se banhava nos poços
das cachoeiras.
A arara de cores vistosas
se confundia com as orquídeas
que perfumavam se abrindo nas ramadas,
e as aves comuns enchiam o ar
na oração selvagem de seus cantos.
as águas nas corredeiras buscam de correr
e saltar nas cachoeiras espumantes
ribombando nos socovões das selvas
como um urro de guerra intermitente.
As onças de tocaia ou rastejando as queixadas
se nutriam. Nas águas os cardumes
de peixe se entredevoravam da fartura.
No princípio era a selva
e nas clareiras abertas as malocas.
formigando nelas a indiada bravia.


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