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Poemas (Social - Político)


LIBERDADE

Mário Morcerf

 

 

Não é fome de pão

Não é sede de água

O que sentimos.

 

Esperança talvez

Como luz que não surge

Nem dá nuanças de rosa

De uma aurora distante.

 

Anseio que nem nasce

Que os peitos oprimidos

Falecem.

 

Sentido do amanhã

Que no ontem ficou

Porque o hoje

Está fechado

Para acerto de contas

 

É talvez qualquer coisa que existe,

É possível que exista,

Como a água que bebemos

Que não tem forma,

E toma a forma que lhe

A vasilha em que fica,

Infeliz como nós.

 

 

 

 

 

 

FOME

Mário Morcerf

 

 

Uns homens estão se enriquecendo, desbragadamente,

a cada pulsação de suas artérias.

A cada pulsação mais fraca de meu sangue

a minha fome se faz mais forte.

A fome que eu sinto é a fome que não mata;

é a fome que alimenta o desespero e o ódio;

é a fome que desperta meus instintos selvagens

e ativa a degenerescência que me animaliza;

tinge de vermelho o espaço que me cerca;

não tinge esse céu azul que me cobre

porque Deus deu-me a ,

e a tem a cor da esperança.

Aprendi que devia amar,mesmo sem ser amado,

que devia ser bom,

deixar-me levar pelos bons pensamentos,

e fazer o bem.

Aprendi que ao meu redor todo o espaço era livre,

livre o chão que eu pisasse, livre o profundo céu,

e que ninguém tentaria jamais escravizar-me, não!

Uns homens acharam que deviam tomar-me o espaço

para a sua ambição,

tomar-me o chão para o seu egoísmo, escravizar-me

diferentemente;

E puseram alto, bem alto, até onde minhas mãos

não alcançassem mais

o meu pão de cada dia...

A fome transmudou quase todas as coisas.

Se eu errar o caminho do céu,

Perdoai-me, ó meu Senhor;

pegai-me pela mão e arrastai-me convosco...

Que tudo ao meu redor ficou da cor de sangue,

até mesmo a Esperança.

 

 

 

 

 

 

APATIA

Mário Morcerf

 

 

Aquele irmão que passa ali, tem fome:

Fome de pão, de paz, fome de amor,

Fome de , e a fome que o consome

Nem mesmo de ódio não tem sabor

 

Aquele irmão que passa não tem nome;

Um dia, ele de si teve pavor

E comeu o seu nome, como come

A vergonha da sua própria dor.

 

Aquele irmão é nosso irmão de raça,

Caminheiro que passa, passa, passa

E passa sempre; e sempre há de passar.

 

Indiferente à nossa indiferença,

Passa sem ver a nossa culpa imensa,

Prefere mesmo até nem nos olhar.

 

 

 

 

 

 

 

 

POEMA À JUVENTUDE

Mário Morcerf

 

 

No ano da Juventude, o que escrever aos Jovens,

eu que setenta e dois anos venci na vida?

 

Eis o que a velhice escreve à Juventude:

 

Crer, é acreditar no que , no que sente,

no que aspira também, e sempre crer na gente;

e por acreditar na gente, acreditar

em Deus o Criador, de Quem somos reflexo,

na Ciência, no Saber, nas investigações

por um Mundo melhor, na progressão constante.

 

Esperar, que a Esperança é o anseio que impele

a confiança tenaz em nosso próprio esforço:

quem tem e confia, a luta sempre vence;

que o impossível se alcança amanhã, na experiência

do que hoje se consegue em troca da esperança.

 

À vossa religião, sede sempre fiel

que na fidelidade a Aliança se baseia.

 

Estudai e aprendei, pois que a Sabedoria

o jugo do trabalho, alivia e faz belo;

trabalhai com prazer, que o trabalho é saúde

do corpo ao qual fornece o pão de cada dia,

e ao espírito enaltece e deixa que ele acenda,

no pensamento a luz que toda treva espanca.

 

Amai vossa Nação que se fez da família

que se desenvolveu e congregou as raças

que esta Pátria compõem e dela é guardiã.

 

Amai a Liberdade, essa que Deus concede,

absoluta e total, não vos impondo nada

em troca do seu uso. Entanto as conseqüências

do seu uso total marcarão seus limites.

 

Vosso direito amai, e defendei com a mesma

força com que cumpris vossos duros deveres.

 

Amai o vosso amor, vossa escolha dileta,

essa doce amizade entre todas que tendes:

alegrai no beber e praticai esportes,

e se não vos faz mal fumai vossos cigarros,

dançai o vosso rock, cantai vossas canções,

curti o vosso som, fazei vosso programa,

vossa barraca armai, praticai vosso surf,

sede veloz na moto, e no carro, correi,

mas, respeitai a vida, é uma , lembrai;

amai vosso prazer, é primavera, amai,

que é da mocidade, esse calor de vida.

 

Amai o vosso irmão, vossa família amai,

e a esse pobre que passa, o vosso irmão carente,

amai com muito amor,que é esse amor que pode

a Terra transformar num Paraíso um dia.

 

Amai tudo o que Deus fez para a gente amar,

mas amai sempre Deus, que em tudo está presente.

Que amar é receber – é receber e dar -,

exercício que traz, nessa união de ternura

e de consumação, toda a Felicidade.

 

 

 

 

 

PAZ PIEDADE

Mário Morcerf

 

 

Palavras tão lindas,

tão belas, tão cheias

de sonho,

que a gente deseja

beijá-las

até.

 

Palavras inúteis

que foram gastas

perdulariamente.

Palavras que foram levadas

perdidas

e andaram pelo espaço

à espera de antenas

que logo as captassem

e delas fizessem

um poema de amor.

 

Palavras perdidas

que chegam longe

pintadas de sangue

varadas de balas

farrapos que soltos

farfalham ao vento

nas bocas sangrentas

daqueles que tombam

no Vietnã.

 

Palavras tão belas

farfalhando ao vento

no adeus derradeiro

do canto da morte

no verso mais triste

que o Homem escreveu.

 

 

 

 

 

 

 

 

IN EXTREMIS DE TANCREDO NEVES

Mário Morcerf

 

 

Eu quero ver o sol pondo no poente

arabescos e franjas cor de vinho,

e sentir pelo espaço esse alívio de sombra

com que a árvore afaga o caminheiro;

 

quero deitar a vista pelos longes

debruçada nas linhas do horizonte,

sobre o mar que descansa de tardinha

para o vôo tranqüilo das gaivotas;

 

quero despedir-me do sol poente

no adeus dos remos ao ferir as águas,

quando vão aos sem-fins os pescadores;

 

quero sorver a brisa balançando o lenço

da que ficou na praia, braço erguido,

estática, no adeus da despedida ...

 

E adentrar-me pela noite quieta,

como o poeta que busca achar a rima

para um poema de paz para o seu Povo.

 

 

 

 

 

 

 

BILHETE DE INTENÇÕES À ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE

Mário Morcerf

 

 

Que todo pai possa dizer ao filho:

Faze tudo o que eu faço, e o faça sempre

buscando a perfeição, sou teu espelho;

e mirando-te em mim, serás feliz.

 

Que todo filho possa dizer: pai,

bendito sejas tu que me ensinaste

a viver na constante ansiedade

de honrar-te sempre, e de fazer-te maior;

por esse teu exemplo diuturno

de integridade em mínimos detalhes.

 

Que toda mãe possa dizer à filha:

olha-me na face, olha-me nos olhos;

penetra-me, e molda-te em meu ser,

que como a fôrma sejas; e te ponho

a bênção para seres venturosa.

 

Que toda filha possa dizer: mãe,

sinceramente em ti se concretizam

as virtudes, e eu busco retratar-te;

te louvo e te agradeço, e te amo muito;

não te invejo, porque te imito sempre.

 

Que possamos nós pais e nós filhos possamos,

chegarmos até , nesta hora sagrada;

nesta meditação voltada para dentro

de cada um de nós, em busca do que possa

ser a norma feliz de vivência de todos

na família maior que constitui a Pátria;

e esta CARTA será a mais bela da Terra,

e a Nação soberana, e respeitada, e forte;

e a Vida a ser vivida, um constante fruir,

dessa felicidadetanto desejada.

 

 

 

 

 

E AGORA JOÃO

Mário Morcerf

 

 

Tudo passou tão de repente:

o salário encostou, e a comida acabou.

a massa fermentou e o forno estava frio;

o padeiro dormiu, e a massa arrebentou.

O pão nosso daquele dia em diante não houve.

Não se pôde mais rezar o Pai Nosso.

Ninguém mais disse amém, que a oração terminou

assim na terra como nos Céus!

Não se ouviu mais do Ipiranga às margens plácidas

o Independência ou, ficou somente morte

ecoando pelos montes debruçando nos valos.

O gigante acordou, que agüentar

aquele monstro de sorriso de Nero debochante nos peitos

era demais.

Que clava forte poderia abater a hidra

Que mamou quase vinte anos na mãe gentil?

Mesmo em si a adorando termos medo da morte.

E o hino não pôde mais ser cantado que o gigante

acordou enfurecido.

E a água de prata que ia virar ouro na alquimia

do índio evaporou-se com o calor da explosão de Angra.

Tem brasa por toda parte sob as cinzas do pau-brasil queimado.

E agora, João?

 

 

 

 

 

 

 

 

O GRITO DO IPIRANGA

Mário Morcerf

 

 

Pedro falou e disse

Independência ou Morte!

Ah! São Paulo, São Paulo,

Às margens do teu Ipiranguinha.

Por que ele não disse Independência?

Papou a Independência,

E o grito de Morte ficou ecoando por ,

pelo Norte, Nordeste e grosso pelo Oeste,

pelo Sul, e no Centro e no Leste

pelos rincões das caatingas

pelas secas do Ceará

pelas cheias do São Francisco...

 

Esta maioridade foi dura,

este desjungir foi fogo!

Sem pai, sozinho, o rapazelho parte

para das suas ir bolando ao léu...

não mais moço, hoje quase quinhentão,

desembestado, afoito, irreverente,

sisudo às vezes, fez-se homem forte, um tanto forte,

ainda fraco.

Um tanto esnobe, um tanto talvez mesquinho,

Homem com graça de menino,

menino convencido de moço,

moço com responsabilidade de homem.

Macho sim senhor! Machão!

Mas não é sério não.

 

Mas está ouvindo o eco da morte

nas favelas, nas baixadas, no centro,

nas ruas, nas calçadas e até dentro de casa.

 

Esbanjou duro nas loucuras de moço,

e a dívida cresceu e ainda agora esbanja, mas a Fazenda é boa

fumo, dá ferro, dá café, dá soja, da cana que se faz petróleo,

Tem o Amazonas, fundo de garantia, e minério pra burro

para gastar à beça.

banana também pra muita gente

Principalmente para quem tem fome.

Que dá, dá.

 

 

 

 

 

 

 

 

NO CENTENÁRIO DA LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS

Mário Morcerf

 

 

Na história de Castelo que se inicia no período da mineração do ouro, pois não consta ter havido por estas terras engenhos de cana-de-açúcar anteriormente, o braço do africano escravo esteve presente desde o seu começo: a mineração empregou a sua força e a conservou no período de sua transição para a exploração agrícola que se desenvolveu nas grandes Fazendas, sete, ao que nos parece ocupando toda a área onde hoje mais de mil pequenas propriedades respondem pela economia municipal.

O braço escravo, o negro das senzalas, sofreu todo o horror da humilhação humana no duro trabalho das minas e nos cafezais em formação, e sofreu muito.

É interessante destacar-se que desses anos tenebrosos, existe em nosso Município um marco indestrutível, que ao invés de nos desmerecer, muito nos honra, por ser um símbolo: a denominação dada possivelmente naqueles duros tempos, a uma localidade: QUILOMBO.

Quilombo era o lugar, onde os escravos foragidos das Fazendas, se escondiam e posteriormente se organizavam, vivendo a antecipação de uma felicidade sonhada: LIBERDADE.

Essa liberdade concretizou-se muitos anos depois.

No dia 13 de maio deste ano, comemora-se o centenário da libertação dos escravos, data que deveria ser de muita alegria para todos nós, não fosse também o início de uma escravidão maior, não vivêssemos hoje, pretos e brancos sob o jugo do Capitalismo Selvagem, que nem nos permite encontrar para refúgio um Quilombo, onde possamos viver uma antecipação, pelo menos em sonho, de dias mais felizes livres do chicotear CONSTANTE dos preços altos e da sangria dos baixos salários.

Assim mesmo vivamos a esperança no Quilombo da , pois temos também em nosso Município duas localidade com denominações bem sugestivas: BOA ESPERANÇA e SANTA , e , um dia, quem sabe? Mas enquanto não chega o grande dia da libertação, (castelo é mesmo uma terra abençoada) temos ainda outra localidade: PACIÊNCIA, não para por . Castelo tem também, finalmente para nos alegrar, aqui pertinho da Cidade, simbolizando o nosso ideal a localidade de LIBERDADE.

Louvemos todos os nossos antepassados que deram nomes tão sugestivos às nossas localidades; eles merecem.

 

 

 

 

 

 

COMÍCIO

Mário Morcerf

 

 

Era vermelho mas não era sangue,

Saia aos borbotões e

Matava a fome e saciava a sede

Dos que criam que o verbo se encarnasse

Nas entranhas dos seus ovários analfabetos.

 

Escorria vermelho e penetrava a vagina

Dos seus ouvidos buscando o ventre

Da memória, para fecundar-se na

Massa cinzenta e gerar a Liberdade.

 

Era vermelho como o sangue,

Mas escorria verde como a Esperança.

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