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Poemas (Castelo)


CASTELO

Mário Morcerf

 

Guarda contigo sempre desta terra,

Esta gentil lembrança que te envio:

Nela há saudades num ruidoso rio

E a sombra imensa de uma grande serra.

 

Revive-se a Bandeira em desafio,

À cata do ouro bruto que ela encerra;

Lutas nas minas, todo o horror da guerra...

A cruz,o padre e o íncola bravio...

 

Rompe a lembrança ainda, a escravatura:

Alma branca de negro, noite escura,

Rastros de sangue pelos cafezais...

Isto tudo, hoje, são coisas distantes,

Pelo trabalhopaz e pão constantes;

E viver nela é ser feliz demais.

 

 

 

 

 

 

 

RIO CAXIXE

Mário Morcerf

Ao Paulo de Paula

 

 

Rio Caxixe, ah! Como vens cantando.

Ah! Como vens sorrindo mansamente:

Águas claras franzindo ao sopro algente

Do vento sul teu dorso galopando.

 

Como é cantante a tua voz quebrando

O silêncio da mata, onde, somente,

Pula esguio e febril, de vez em quando,

Um perseguido cervo, de repente.

 

Da Serra do Castelo onde és um fio,

Onde a ganga revolves e o ouro arrancas,

E as águas juntas para seres rio,

 

Vens tu sorrindo; e tristemente vais

Movendo o lenço das espumas brancas,

No adeus daqueles que não voltam mais.

 

 

 

 

 

 

 

CASTELO

Mário Morcerf

 

 

Destaca-se uma pedra entre as demais assente,

Um castelo de pedra em meio à serrania:

Com um largo torreão e torres de vigia,

Sempre às lendas e ao tempo, altivo e indiferente...

 

Um rio rumoroso, e às vezes tão silente,

Que parece dormir na doce fantasia

De um sonho, um sonho que é saudade e que o crucia,

E atinge sem querer o coração da gente...

 

Mas, Castelo é bem mais que este rio e esta Serra:

Uma chama de luz que não queima, mas, canta;

Um pedaço de céu, numa nesga de terra;

 

Um tugúrio de paz; um murmúrio de prece;

Um fragor de trabalho; uma voz que levanta;

Um sorriso de amor que nunca mais se esquece.

 

 

 

 

 

 

 

FLASH NA MEMÓRIA

Mário Morcerf

 

 

Seu Genaro, a sorrir, cura caxumba,

E o velho Nicolau, vai tirar reza

Na capelinha,...Padre aqui somente

De mês em mês vinha rezar a missa.

 

Crianças a estudar no “Nestor Gomes”...

E a Usina dos Vivacqua, agitada;

Os cincerros das bestas alegrando

A chegada das tropas e, catando

 

Milho caído dos bornais, os pombos...

Trem de ferro da velha Leopoldina

Chegando à noite, a bimbalhar o sino...

 

Ah! Castelo, Castelo de tão longe;

As lembranças não cabem num soneto,

E a saudade, meu Deus, como é gostosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

SARDANISCA

Mário Morcerf

 

 

Oh! Subir, escalar a rocha de granito,

A mais alta talvez das rochas da região,

E no alto, bem no alto, onde tudo é esquisito;

O ar que é bom..., esse sol...e o próprio coração...

 

Sentir que sob os pés, toda vegetação

Como um tapete está, e um rio todo aflito

Despenca-se a rolar... o mundo é tão bonito

Visto do alto, bem do alto, em meio à solidão!...

 

A gente num momento esquece que a escalada

Tem um fim e esse fim, é o retorno em seguida

À base, no sopé que se da cumeada.

 

A gente sente, então, num estranho sentir,

Como é diferente a dor da despedida,

Quando ninguém ficou para nos ver partir.

 

 

 

 

 

 

À BEIRA DO CASTELO

Mário Morcerf

 

 

À tarde quando o sol vai sumindo no poente

E vaga pelo espaço um ar pesado e frio,

Ela vai pressurosa à beira desse rio,

Ouvir o murmurar tristonho da corrente.

 

E ali fica a pensar ouvindo horas a fio,

A voz de quem se foi, na carícia fremente

Da brisa que lhe beija a face, e sonha, e sente,

Encher-se de ilusão o seu mundo vazio.

 

Põe-se então a passear, pensando, quem duvida?

Nesse alguém que se foi, deixando-lhe na vida,

Um espaço vazio onde a saudade medra...

 

E olhando o deslizar monótono das águas,

Sente dentro do peito o soluçar das mágoas,

Imitando o rumor das águas sobre a pedra.

 

 

 

 

 

 

 

PROFECIAS

Mário Morcerf

Publicado na edição de 15/01/1962 do JornalCastelo Novo” de Castelo/ES

 

 

temos pela frente este 1962 que nos desejaram próspero. E ele começou a desdobrar-se dia a dia arrancando as nossas esperanças irrealizadas em cujas covas, semearemos outras, crendo que vingarão seus frutos; e esta constante mutação é a substância da vida. E nestes poucos dias quantas esperanças morreram para muitos e quanto esforço para que a cova da última esperança de cada um de nós não se abra nunca. nos vêm pela frente esses misteriosos 350 dias. Falemos pelo nosso Castelo que, em síntese, é a alma grande de todos nós. Teremos muito neste 1962, sim, teremos se o quisermos; vai depender de nosso esforço hercúleo, num regar constante e farto das covas onde plantamos as nossas esperanças mais risonhas.

VIRÁ O COLÉGIO! Não interroguemos não, afirmemos com a força da vossa convicção; não mais crendo nos homens que nos rodeiam nem deles descrendo tanto; crendo também em nós mesmos, cada um no reencontro de si mesmo e da sua confiança, a fim de que constituída esta força de convicção coletiva, com ela rompa-se a inércia apática e a abulia crônica, que se apodera de nossa gente, virá o Colégio, magnífico! Um templo soberbo em cuja abóbada ressoarão os mais altos louvores das gerações futuras, a esta geração que o construiu. O Colégio virá!

A ÁGUA VIRÁ! Tratada e cristalina e constante, abundantíssima para o verão. Teremos até uma fonte luminosa no jardim da Praça Rui Barbosa, água correndo o dia todo, extravasando dos reservatórios. E teremos piscinas fabulosas pelos clubes e colégios.

VIRÁ UM NOVO POSTO DE SAÚDE! Com fartura de vacinas e de conforto, e tanta coisa para uma assistência real, não dos que dele se servirem como dos que nele trabalharem, que será um encanto. Muitas dessas coisas teremos porque “parlamentarizados” os nossos legisladores e administradores candidatos à próxima, compreenderão que o melhor meio de locomoção para o “alto” é o “à jato”, e por isto, teremos a grande corrida de realizações para que os interessados não percam os aviões da carreira, num tristíssimo fim.

VIRÁ A ESTRADA ASFALTADA, e mais tudo isto: LUZ E FORÇA, ÁGUA ENCANADA E TRATADA, E REDE DE ESGOTO E POSTOS DE SAÚDE para Conceição do Castelo, Aracui e Venda Nova, talvez sobre até para Estrela do Norte. Virá tudo isto, não porque este ano é ano de promessa e ano de fartura, e andem por os promesseiros, mas, porque desta vez os nossos eleitores se uniram e deram para desconfiar, exigindo “sinal de negócio”, e assim é que muita coisa devemos consignar às nossas esperanças por esta reação que se pronuncia. Virão muitas outras aspirações de todos nós que no final são no conjunto, aspirações de Castelo.

VIRÁ A MATRIZ! Com suas torres rebrilhando aos derradeiros raios do sol, porque os católicos compreendemos afinal que, pelo menos quanto mais alto os sinos tangem, mais longe ressoam.

VIRÁ A HORA FINAL DA VELHA ESTAÇÃO DA LEOPOLDINA! Abriremos para ela a cova da sua última esperança de permanência na Praça José Vivacqua.

VIRÁ A NOSSA EMISSORA! E Castelo falará do alto e para longe, anunciando a realização das nossas esperanças, se Deus quiser. E Ele sempre quer quanto nós queremos. E neste 1962, vamos querer de fato, como nunca dantes foi possível querer.

 

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